sábado, 28 de novembro de 2015

Pior é começar a destruir o que já temos

Roberto Tardelli, 27/11/2015
Quem não o conhecia, conheceu-o e o detestou. Sua conversa, seu tom de voz e sua arrogância foram tão transcendentalmente humanas que poucos roteiristas teriam tamanha criatividade. Em uma tacada, em uma conversa, ele revelou uma sordidez nunca antes vista na história deste país. O cara é senador, cheio de poderes e pompa, líder de um governo cada vez mais alquebrado e que demonstra que nem só de voto vive a legitimidade. Senador da República, oito intermináveis anos de mandato. Antes de ser senador pelo PT, passeou por outros partidos, foi do inimigo, foi ministro, foi chapa quente, foi tudo, bom de conversa, um grande articulador, como gostam de dizer os analistas políticos, escolhido dentre todos pela Presidenta da República, que o viu como aquele que reunia os méritos e a arte de liderar a infantaria governista no Senado. Em poucos minutos, porém, revelou ser um farsante, mais um farsante, só que um farsante falastrão, canastrão, e, nesse festival do ão, um bocão. Prometeu ao filho de um réu, O Réu, imortal Cerveró, desses que saíram da ficção para a realidade, mundos e fugas, granas, aviões, vida na Europa, cinquenta mil por mês. Disse conhecer os Ministros, ser amigo, disse – sem dizer textualmente – que poderia ajeitar as coisas lá, no Olimpo, onde residem os deuses irrecorríveis. Estava à vontade, desinibido, seguro de si e de sua onipotência senatorial. Um cara horrendo.
Como não festejar que um ser humano de tão baixa qualidade seja preso, levado ao xilindró, com seus ternos de linho, sua arrogância, sua empáfia, seu cabelo armado, que viesse, cedinho, em cana? Junto com ele um banqueiro, único semovente mais odiado que o político, e um advogado (esse, preso, nos Estados Unidos da América, para dar o glamour folhetinesco que faltava). O trio medonho preso por ordem do Olimpo. Gritamos gol e nem era da Alemanha, era gol nosso, tupiniquim. Horas depois, um Senado inteiro, envergonhado e constrangido, de rabo entre as pernas e assustado, votava por ampla margem à manutenção da prisão do companheiro, do chapa e do ex-amigo, com direito a mais um momento de humilhação, o PT, quem te viu quem te vê, tentou desesperadamente passar o voto secreto, uma imoralidade em si mesma, quando se trata do voto parlamentar. Não precisávamos disso. O senador dormiu a primeira noite na cadeia, homologadamente preso, por vontade do Legislativo e do Judiciário, através de suas Casas Superiores.
Nas horas que corriam, um sentido ambivalente nos tomava, um misto de alívio e de terror. Alívio porque nossa fúria foi rapidamente satisfeita, e terror porque a prisão foi assustadoramente ilegal.
O parlamentar no Brasil é protegido pelo art. 53, da Constituição, que traça um sistema de garantias, fundamental para funcionamento do regime democrático, ainda que se corram riscos calculados. Um deles está em que desde a expedição do Diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável (§ 2º). Isso é tão sagrado que essas garantias, assim como outras, subsistirão durante o estado de sítio só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços da Casa respectiva (§ 8º). Por mais que o Ministro Relator tenha insistido que houve flagrante, disse-o valendo-se do argumento de autoridade, o mesmo capaz de impor pela força afirmar-se que o quadrado é redondo. Porém, ainda que tomássemos o exercício da autoridade, faltaria o segundo quesito, o da inafiançabilidade do crime. A prisão, tal como foi decretada, desrespeitou a Constituição.
Porém, mais grave ainda, é que os juízes, Ministros da Suprema Corte, que decretaram a prisão, estavam impedidos de fazê-lo pela singela razão de que foram vítimas das difamações provavelmente proferidas pelo Senador. Nessa situação bizarra, a vítima julgou e mandou prender seu agressor, o que representa ofensa ao mais palmar dos princípios de direito, a imparcialidade do juiz. Imagine o amigo se o dono do carro que você amassou na rua fosse a mesma pessoa que julgasse a indenização que ele mesmo propôs; imagine se o juiz que julgasse a guarda dos filhos fosse também o pai em litígio... foi o que ocorreu: os Ministros, que se sentiram gravemente ofendidos julgaram o ofensor; resultado: cana; recuamos séculos e, obliquamente, tornamos privada a Justiça Pública.
Resumindo: não houve flagrante, o crime não era inafiançável e os juízes estavam impedidos. O mais preocupante é que não há juízes acima daqueles que o fizeram para corrigir o abuso. O Supremo, Guardião da Constituição, teve seu dia de desrespeitá-la explicitamente. Quem nos protege do vacilo do Guardião? Ninguém.
Quando um sistema de garantias se transforma em um sistema de conveniências, a democracia acaba indo para o ralo e todos os agentes públicos ficam com suas autonomias barateadas na ponta de iceberg que pretende afundar o Titanic da impunidade, mas que pode afundar toda a frota democrática, construída tão sofridamente.
Meu medo é que a euforia de hoje seja a ressaca de amanhã, quando pouco restará a ser feito. Por pior que seja o Senador, que ele seja julgado e eventualmente punido, com seus direitos assegurados, por mais odioso que ele seja, pior e mais odioso é jogar tudo para cima, relativizando garantias constitucionalmente asseguradas, é começar a destruir o que já temos de tão pouco: o Estado Democrático de Direito.

Os riscos da banalização da prisão preventiva

Luis Nassif, 27/11/2015

A banalização da prisão preventiva e a insensibilidade em relação aos impactos das investigações sobre a economia estão levando o país a uma situação de risco.
Não tenho a menor razão para ter simpatia pelo banqueiro André Esteves, muito pelo contrário. E espero que as investigações sobre o CARF revelem seus métodos.
Mas a autorização para sua prisão pelo Ministro Teori Zavaski a pedido do Procurador Geral da República Rodrigo Janot por conta de um mera gravação de conversa de Delcídio do Amaral comprova a perda de rumo de duas pessoas centrais para manter o equilíbrio no aparato repressivo. Ainda mais em uma quadra de profundo vácuo de poder no Executivo.
O álibi do PGR de que a prisão visou impedir que atrapalhe as investigações vale para qualquer situação e qualquer personagem. É álibi genérico. A prisão serviu apenas para demonstração de músculos.
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A votação da prisão, além disso, demonstrou mais uma vez os malefícios da exposição pública dos votos dos Ministros promovendo o desejo de protagonismo por parte de alguns deles.
Escolhem a frase de efeito que permita dar o lide para a mídia. Jogam para a torcida sabendo que a cobertura sempre privilegia o folclórico em detrimento do conteúdo.
A Ministra Carmen Lúcia tem se esmerado nessas boutades que eventualmente podem indicar um espírito irônico, mas, para leitores mais acurados, é a tentativa do chamado efeito leite condensado, visando recobrir um bolo de pouca consistência.
Sua conclamação ao Judiciário como última trincheira da moralidade, é de um messianismo que se aceita em juízes jovens, de primeira instância, não em quem integra o mais alto tribunal do país.
É um acinte ao próprio STF, aliás, que deveria zelar pelo equilíbrio institucional, ainda mais em uma quadra de crise sistêmica como a atual. E em uma votação que o coloca em confronto com outro poder, o Senado. Em vez do cuidado político, o exibicionismo.
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Não apenas isso.
Valendo-se da anomia total do Executivo, deixou-se de lado qualquer veleidade de reduzir os impactos econômicos dessas operações.
A Lava Jato ajudou a destruir um setor onde o país tinha excelência, das empreiteiras. Não se trata de livrar quem cometeu crime, mas de cuidados básicos para penalizar acionistas e executivos sem comprometer as empresas, os empregos e os ativos tecnológicos. Nada disso pesou. Avançou-se sobre um setor que gerava empregos, tecnologia com a gana de uma britadeira.
Agora, no caso Pactual-André Esteves, corre-se risco semelhante, ainda mais em um setor – o financeiro – em que as expectativas têm impacto direto sobre a solidez das empresas.
Esteves é um banqueiro ousado com ramificações em todos os partidos e com todas as lideranças, de Lula a Aécio, dos economistas do Real aos governadores petistas.
Tem sob sua supervisão, hoje em dia, operações relevantes para a retomada dos investimentos.
Sua prisão com base nas declarações de Delcídio não tem lógica. Que se abrisse um processo, um inquérito. Mas decretar a prisão preventiva com base em meras conversas de terceiros, com todas as implicações sobre as operações tocadas por ele, é de uma arrogância ímpar.
A informação que circula em Brasília de que Teori autorizou escuta no telefone de Delcídio Amaral – e flagrou conversas entre ele e Ministros do Supremo – é uma demonstração clara de para onde está caminhando o país do grampo.
É momento mais que oportuno para que as figuras referenciais do STF ajudem a colocar um pouco de bom senso no debate.

Carta aberta à ministra Carmen Lúcia, do STF

Dom Orvandil, 26/11/2015
Prezada Ministra Carmem Lúcia,
Nosso país acordou estupefato com a prisão de um senador da República. Por outro lado, alivio-me com a prisão de um banqueiro, um dos mais ricos do Brasil.

Não guardo intimidade com o pensamento do senador Delcídio do Amaral em virtude de suas origens políticas, ligadas à privatizações e ao nefasto neoliberalismo. Porém, sua prisão nos coloca sob espanto pelo colorido de arbitrariedade em face da imunidade parlamentar de que gozam os eleitos pelo povo para ocupar cadeira na mais alta casa legislativa.

Perdoe-me, ministra Carmem, por me dirigir a senhora sem o traquejo jurídico próprio dos advogados, já que não sou um e sem a formalidade de um tribunal, já que não pertenço a nenhum.

Aqui tenho o objetivo de questioná-la pelo que disse na 2ª Turma do STF ao justificar seu voto na decisão do ministro Teori Zavascki ao ordenar a prisão do senador Delcídio do Amaral e do banqueiro André Esteves.

É de se esperar que os homens e as mulheres eleitos e eleitas sejam honestos, honestas, probos e probas nas suas atividades parlamentares, embora alguns afrontem e desrespeitem a sensibilidade social e a cidadania, como é o caso do senador Ronaldo Caiado, que frequentemente usa camiseta amarela com os sinais de 9 dedos, em deboche à deficiência física do ex-presidente Luiz Inácio Luiz da Silva, sem que seja incomodado em momento algum por esse preconceito e crime.

Nesta carta singela desejo lhe dizer que me senti ofendido e desrespeitado como cidadão com seu discurso ao justificar seu voto a favor da prisão de Delcídio do Amaral, nesta manhã.

A senhora disse que antes nos fizeram acreditar que a esperança venceu o medo. É evidente que a senhora se referiu à campanha eleitoral e eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem citá-lo.

E vencemos mesmo, ministra Carmem. Milhões de brasileiros fomos ameaçados com o estouro do dólar, com a fuga dos empresários que investiriam em outros países, abandonando o Brasil ao desemprego e à pobreza. Uma atriz da TV Globo apareceu em noticiários e na propaganda eleitoral do PSDB fazendo caras teatrais de assustada e dizendo: “ai, estou com medo”. Pois vencemos essa tentativa. Os milhões de votos investidos em Lula transcenderam fronteiras partidárias para afirmar nossa esperança contra as ameaças rasteiras e desonestas. Vencemos o medo, com muita esperança. O Brasil se sentiu recompensado com essa vitória. A senhora sabe!

Como cidadão e como povo me sinto ofendido e agredido em minha esperança e em minha fé com essa sua fala, para mim irônica e sem nenhuma relação com o mensalão da mídia, com muitos casos dúbios e influenciados pela opinião publicada.

A senhora carregou sobre a ironia sem nexo ao afirmar que “agora o escárnio venceu o cinismo”.

Qual a relação do possível crime do senador Delcídio do Amaral, nem investigado totalmente e, muito menos julgado e condenado, com a vitória da esperança em 2002?

A senhora quer nos envolver em todos os possíveis crimes de Delcídio? A senhora falou pensando em investigação e condenação do ex-presidente Lula, o candidato a respeito de quem se usou o slogan “a esperança venceu o medo”? A senhora já sabe, mesmo sem julgamento, que o senador Delcídio do Amaral é criminoso, até mesmo antes da manifestação da casa onde ele é parlamentar?

Na fundamentação de seu voto a favor da prisão do aludido senador a senhora asseverou que “agora o escárnio venceu o cinismo”.

Pergunto se o seu voto não se referia a um senador? Se se referia ao senador Delcídio do Amaral qual a relação da ironia com os votos de milhões de brasileiros que tiveram esperança de mudar aquela realidade triste de desemprego, de miséria e de pobreza em 2002?

A senhora ameaçou quem ao afirmar posteriormente que “criminosos não passarão sobre a justiça”, alertando a todos do mundo da corrupção?

Perdão, ministra, mas a minha ofensa também vem do fato de a senhora misturar ironicamente fatos e valores sem nenhuma relação, sendo que a esperança realmente venceu o medo e sempre vencerá as vilanias da classe dominante, principalmente da rapinagem dos poderosos internacionais, que atuam por meio de jagunços nacionais.

Pior, a sua referência de falso senso de oportunidade choca por estabelecer nexos irreais entre um senador atual, preso acusado de atrapalhar investigações, com toda a força da esperança de um povo.

Choca mais o fato de a senhora não fazer nenhuma menção ao banqueiro André Esteves, dono do Banco BTG Pactual, também preso como suspeito de fazer uma operação polêmica na área internacional da Petrobras, ao comprar poços de petróleo na África, sendo ele um dos homens mais ricos do Brasil, um país pobre e, mesmo assim, de esperanças que vencem os medos.

A senhora não disse nada sobre André Esteves foi pelo fato de ele ser banqueiro e rico? Haveria na senhora algum senso de seletividade, como o há na mídia que reforçou com grande destaque as suas palavras?

Enfim, perdoe-me pela ousadia de exercer o direito de questionar, de me indignar contra as seletividades e contra o deboche em relação ao povo que tem esperança, apesar do medo que diuturnamente lhe impingem.

Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.

• Dom Orvandil, OSF: bispo cabano, farrapo e republicano, presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário, trabalhando duro sem explorar ninguém.

O desabafo deplorável da ministra Cármen Lucia

Carlos Fernandes, 27/11/2015

E a ministra do STF, Carmen Lúcia, não resistiu à tentação medíocre de fazer política enquanto exercia o seu dever de julgar que deveria ser amparado exclusivamente pelo que rege a nossa Constituição Federal.
No seu voto na segunda turma do STF que decidia sobre a prisão do senador Delcídio do Amaral, a excelentíssima ministra resolveu navegar no pantanoso universo paralelo onde a isenção de juízo de valor por parte do magistrado dá lugar às suas mais íntimas impressões pessoais.
De todos os desvios jurídicos possíveis, que não são poucos, o mais grave e, paradoxalmente, um dos mais comuns, é a influência que as posições políticas pessoais dos juízes podem exercer sobre os entendimentos da lei, e consequentemente sobre as decisões que são tomadas, dependendo de quem sejam os réus.
Não que seja o caso específico de Delcídio, afinal de contas a sua prisão foi autorizada por unanimidade sob fortes indícios de tentativa de atrapalhar as investigações. Mas seja como for, é assombroso o fato de uma ministra do STF utilizar-se do seu voto para expressar a sua opinião particular sobre assuntos que em nada remetiam ao caso.
Completamente dissonante com o que estava em pauta, Carmen Lúcia emendou que “houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo”.
Por um momento a ministra esqueceu inteiramente o que estava fazendo ali e poderia ser confundida facilmente com qualquer um de nossa vasta diversidade de políticos hipócritas e demagogos em plena campanha eleitoral. Por um momento a ministra desconheceu que estava julgando indivíduos e passou a discursar em prol de um modelo político de sua preferência, que a rigor, não interessa a mais ninguém que não seja ela própria.
Esse tipo de atitude que envergonha e diminui o Supremo Tribunal Federal e por representação, toda a justiça, faz parte de uma mazela judicial que em boa medida é causada pelos sempre solícitos holofotes da grande mídia nacional que não cansam de agraciar a todos aqueles que utilizem os seus cargos de destaque para politizar os eventos ao seu alcance. Gilmar Mendes que o diga.
Não é por acaso que esse único trecho de tudo que foi dito ali por todos os ministros, foi exatamente o de maior repercussão nos grandes veículos da imprensa. Até mesmo as justificativas jurídicas utilizadas para autorizar pela primeira vez na história a prisão de um senador no pleno exercício de seu mandato foi posto em segundo plano. Como tudo que oscila em torno da operação Lava Jato, o fator político foi colocado acima dos fatores jurídicos.
Curioso notar que Carmen Lúcia dá prosseguimento e sustentação ao estilo deplorável que tanto notabilizou o ex-ministro Joaquim Barbosa. A primeira, a exemplo do segundo, parece querer fazer do Supremo Tribunal Federal uma casa de justiciamento onde tudo é válido para que se imponha uma moral no mínimo duvidosa.
As semelhanças entre os dois não param por aí, a despeito de suas inquestionavelmente brilhantes carreiras jurídicas, a chegada de ambos ao apogeu do direito só foi possível graças ao sentimento democrático do ex-presidente Lula ao querer diversificar o então racista e machista quadro de ministros do STF.
Se Joaquim Barbosa foi o primeiro negro a ocupar a presidência do STF, Carmen Lúcia passou a ser em 2006, a segunda mulher na história a fazer parte do seleto grupo de juízes que tem por obrigação efetuar a guarda da Constituição Brasileira. Tanto um quanto outro, nomeados por Lula.
Joaquim Barbosa, inebriado por sua arrogância, saiu do STF como o mais incapaz de conduzir uma instituição democrática pela opinião de seus pares. Talvez seja o momento da ministra Carmen Lúcia refletir sobre seus atos para que mais essa coincidência não lhe seja imputada.