sábado, 27 de junho de 2015

Delator diz que comprou decisão no TCU para liberar usina nuclear Angra 3

SÁBADO, 27 DE JUNHO DE 20

FLÁVIO FERREIRA, MARIO CESAR CARVALHO e ESTELITA HASS CARAZZAI - Folha de São Paulo


Em delação premiada, o dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, disse que pagou R$ 1 milhão para o TCU (Tribunal de Contas de União) liberar a licitação da usina nuclear Angra 3. O relator do caso foi o ministro Raimundo Carreiro.

Após as pretensões de Pessoa serem atendidas no tribunal, a Eletronuclear contratou um consórcio integrado pela UTC para fazer a montagem da usina atômica.

A empresa de Pessoa participou do negócio em consórcio com a Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, investigadas na Operação Lava Jato sob suspeita de pagar propina em contratos da Petrobras.

O custo total da obra, na qual atua também um outro consórcio, é de R$ 3,2 bilhões.

O empreiteiro também afirmou que desde 2012 obteve informações privilegiadas do tribunal de contas no julgamento de contratos da UTC com a Petrobras.

Quem repassava as informações, segundo Pessoa, era o advogado Tiago Cedraz, filho do ministro da corte de contas Aroldo Cedraz, em troca de pagamento de R$ 50 mil por mês. Cedraz é o presidente do TCU; Carrero, seu vice.

Na última quinta-feira (25), o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki considerou que a delação de Pessoa atende às regras da lei e homologou o acordo. Ele poderá obter redução de penas se as informações forem confirmadas por provas.

No depoimento sobre Angra 3, Pessoa disse que no final de 2013 conversou com Tiago Cedraz e explicou a ele sobre dificuldades para liberar a licitação.

O tribunal apontava uma série de problemas, como sobrepreço de R$ 314 milhões em relação ao orçamento, equivalente a 10% do valor da obra, e de "limitada competitividade" em razão das exigências da Eletronuclear.

Técnicos chegaram a propor a suspensão da licitação, o maior pesadelo das empresas em virtude dos gastos que tiveram para apresentar propostas.

Na decisão final do TCU, de setembro de 2014, o relator do caso Raimundo Carreiro mudou seu entendimento sobre a falta de competitividade, e liberou a licitação.

Pessoa disse que na conversa com o advogado sobre o assunto Tiago lhe perguntou quem relatava o caso no TCU. Ele respondeu que era Carreiro. Tiago, então, teria dito que precisava de R$ 1 milhão para liberar a licitação do modo que a UTC queria.

Pessoa diz ter repassado R$ 1 milhão a Tiago, mas não sabe se o dinheiro foi entregue a Carreiro ou a outros integrantes do tribunal. A concorrência, porém, foi liberada pelo tribunal de acordo com os interesses da UTC, ainda segundo Pessoa.

Tiago dizia ter acesso aos ministros e técnicos do TCU e que conseguia adiantar o teor dos votos sobre a empresa, afirmou o delator.

Segundo Pessoa, um dos emissários de Tiago nos pagamentos foi Luciano Araújo, tesoureiro nacional do Partido Solidariedade.

O ministro Carreiro afirmou à Folha que nunca recebeu valores indevidos na vida.

Tiago disse que nunca atuou no TCU e que vai processar Pessoa. Também afirmou que foi contratado pelo consórcio do qual a UTC fazia parte, mas para atuar no contrato com a Eletronuclear.

OUTRO LADO

O ministro do Tribunal de Contas da União Raimundo Carrero disse que jamais recebeu recursos ilícitos em sua vida. "Minha conta bancária está aberta para quem quiser ver". O ministro, em conversa com a Folha, não soube explicar por que mudou sua posição sobre Angra 3 em relação à falta de competitividade na licitação da obra.

Em nota enviada posteriormente, a assessoria do TCU apresentou trecho do voto do ministro em que ele diz que a exigência da Eletronuclear "não impôs restrição demasiada" à concorrência em razão da complexidade da montagem de uma usina nuclear.

Em abril de 2012, o TCU chegou a suspender por sugestão de Carrero a pré-qualificação das empresas por entender que o edital restringia a competição."O ministro agiu com todo o rigor técnico que o caso exigia, tendo recomendado correções, exigindo acompanhamento por parte da unidade técnica do tribunal", afirma a nota.

O advogado Tiago Cedraz diz que nunca atuou no TCU e que não pode comentar o teor de seu contrato com o consórcio do qual a UTC faz parte, em virtude da confidencialidade prevista na relação com seus clientes.

O tesoureiro do Solidariedade, Luciano Araújo, diz que esteve na UTC para tratar de doações oficiais ao partido, de R$ 1,2 milhão em 2014, mas nunca falou com Pessoa. "Nunca recebi recurso ilícito". Segundo ele, foi Tiago Cedraz quem lhe apresentou a UTC como eventual doadora. Tiago é secretário de assuntos jurídicos do partido.

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