terça-feira, 25 de novembro de 2014

Gestão FHC e a Petrobrás

Investigações aumentam ligações da gestão FHC à corrupção na Petrobras

Em depoimentos à Polícia Federal, lobista e ex-diretor contam que começaram a praticar seus crimes há mais tempo que a mídia velha tenta convencer a opinião pública
 Helena Sthephanowitz, publicado 24/11/2014 15:05

Quando Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso se juntam para fazer críticas ao governo Dilma e à Petrobras, ou é sinal de que ambos estão com sérios problemas de memória, ou que não estão acompanhando as notinhas que vez por outra têm saído na imprensa amiga dos tucanos.

Na sexta feira (21), o ex-gerente da diretoria de Serviços da Petrobras, Pedro Barusco, depois de fazer acordo de delação premiada como forma de diminuir seu possível tempo de prisão, relatou em depoimento à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, que recebeu cerca de US$ 100 milhões em propinas por negócios escusos na Petrobras desde 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Barusco se aposentou na Petrobras em 2010 e, a partir daí, foi diretor de Operações da Sete Brasil, empresa que tem contrato atualmente com a Petrobras.
Fazendo coro com Barusco, na mesma semana foi a vez de outro diretor, o lobista Fernando Antonio Falcão Soares, conhecido como Fernando Baiano, dizer à Polícia Federal que começou a fazer negócios com a Petrobras durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Contou Baiano, que, por volta do ano de 2000, celebrou contratos milionários com uma empresa espanhola, que na época o país vivia o apagão da energia e que a estatal buscava parceiros internacionais na área de produção de energia e gás para suprir a demanda. Ele disse também que conheceu Nestor Cerveró  no governo Fernando Henrique. Na ocasião, segundo ele, Cerveró era um dos gerentes da Petrobras.
De acordo com uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo no ano de  2009, sob gestão de FHC a estatal usou decreto criado por ele mesmo para não aplicar a Lei de Licitações em parte dos contratos. Amparada por um decreto presidencial de 1998 e por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), a Petrobras fechou acordos sem licitação de cerca de R$ 47 bilhões (valor não atualizados)
Somente entre 2001 e 2002, no mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), a Petrobras contratou cerca de R$ 25 bilhões sem licitações, em valores não atualizados.
Em 2009 teve uma CPI  da Petrobras como agora. O requerimento foi de Álvaro Dias e recebeu assinaturas de apoio dos então senadores Demóstenes Torres (que era do DEM) e Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Na época ninguém entendeu o fato de, após alguns dias de funcionamento, a CPI criada por parlamentares do PSDB ter sido abandonada sem que nada fosse investigado. A comissão foi instalada em julho e acabou em novembro. Sérgio Guerra e Álvaro Dias, também do PSDB, abandonaram a comissão no fim de outubro.
Somente no mês passado todos conheceram o real motivo da desistência.
O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, preso na Operação Lava Jato após decidir colaborar com o Ministério Público Federal, afirmou em depoimento que repassou propina no valor de R$ 10 milhões ao ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra, para que ajudasse a esvaziar uma Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar a Petrobras em 2009. Guerra era senador e integrava aquela CPI. Ele morreu em março deste ano e foi substituído por Aécio Neves no comando do PSDB.
Segundo depoimento de Costa, as  empresas que prestam serviços à Petrobras tinham como objetivo nessa época encerrar logo as investigações da CPI , porque as empreiteiras temiam prejuízos. O PSDB sempre culpou o PT e Lula pelo fim da CPI. Um dos textos do site do PSDB publicado em março deste ano, traz o seguinte título: “Governo engavetou CPI da estatal em 2009”  Agora sabemos que o PSDB atribuiu  ao PT uma culpa que ele não teve
Junto a todos esses fatos, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, disse em depoimento à Polícia Federal que tinha contato próximo com o arrecadador de campanha do PSDB, o Doutor Freitas, Sérgio de Silva Freitas, ex-executivo do Itaú que atuou na arrecadação de campanhas tucanas em 2010 e 2014 e que esteve com o empreiteiro na sede da UTC.
Ainda de acordo com o depoimento, o objetivo da visita do "doutor Freitas" foi receber recursos para a campanha presidencial de Aécio originadas de propinas entre construtoras que prestavam serviços à Petrobras.
Vale aqui recordar o comentário do jornalista da Rede Band, Ricardo Boechat – que pode ser taxado de tudo, menos de ser petista: “Fernando Henrique Cardoso está sendo oportunista quando diz que começa a sentir vergonha com a roubalheira ocorrida na gestão alheia. É o tipo de vergonha que tem memória controlada pelo tempo. A partir de um certo tempo para trás ou para frente você começa a sentir vergonha, porque o presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem suficientemente experiente e bem informado para saber que na Petrobras se roubou durante o seu governo”

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Desenhando para o Barbosa entender.

Ministro Luís Roberto Barroso, em novembro de 2014, a um jornal carioca (que apoiou a ditadura militar no Brasil no período 1964 - 85). 

"Eu cumpro a lei. A lei é que materializa essas escolhas da sociedade. Em uma democracia, não existe, de um lado, a sociedade civil, e de outro, o Estado. O Estado é o que a sociedade e os seus agentes eleitos constroem. A única coisa que um juiz não pode fazer é tratar de maneira discriminatória o condenado que a sociedade odeia. Juízes não são vingadores mascarados. Fazer justiça é aplicar a lei com imparcialidade, sem paixões, sem ódios ou espírito de vingança. É justamente quando esses sentimentos afloram na sociedade que você precisa de um juiz corajoso para fazer o que é certo. Eu tenho deveres para com a Constituição, o bem e a Justiça. O sentimento da sociedade não me é indiferente, e eu o levo em conta. Mas sirvo à Justiça, e não à opinião pública. Um juiz digno desse nome não joga para a plateia."

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O insulto de Gilmar a seus colegas do STF


Miguel do Rosario, no sítio O Cafezinho, 03/11/2014

A palhaçada recomeça.
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ter comportamento discreto.
Só aqui no Brasil, eles se tornam agentes políticos com destaque, emitindo opiniões escalafobéticas sobre os destinos e problemas da nossa democracia.
Gilmar Mendes volta a ribalta com uma entrevista bombástica à Folha.
Nela, ele desenvolve conceitos, no mínimo, criativos.
Diz que o STF corre o risco de se tornar uma “corte bolivariana”.
Falando isso, Gilmar comete a proeza de agredir dois países: a Venezuela e o Brasil, além de ofender profundamente seus colegas de STF.
O conceito de “bolivarianismo”, como entende nossa mídia e seus lacaios, é um surto de mentes colonizadas.
Durante séculos, as cortes supremas da América Latina foram subservientes aos interesses das elites. Chancelaram ditaduras, ou mesmo criaram outras. Derrubaram governantes eleitos. E sempre, sempre, sempre estiveram ao lado dos opressores e da injustiça.
Quando as circunstâncias históricas fazem com as cortes supremas se tornem um pouco mais democráticas, mais preocupadas com problemas de justiça social do que com os arroubos golpistas da classe dominante, aí elas são chamadas de “bolivarianas”.
A mesma coisa vale para o Brasil.
O nosso STF chancelou e apoiou a ditadura. Seu contraponto ao regime militar foi tão discreto e leve que praticamente ninguém o percebeu.
Mais importante, o STF sempre foi o escoadouro de um Judiciário profundamente conservador e patrimonialista.
Patrimonialismo que alguns agora querem virar de ponta a cabeça e, numa pirueta conceitual, atribuir ao PT.
Não. O PT chegou ao poder apenas pelo voto popular e pela conquista democrática dos sindicatos.
O patrimonialismo, conforme descrito por Raymondo Faoro, se caracteriza pela ocupação hereditária do Estado, via postos vitalícios, em especial o Judiciário.
Faoro explica que, na medida em que a elite perde poder econômico, em virtude das crises, ela investe na formação de quadros, em sua própria família, capazes de preencher os espaços políticos da administração pública.
O Judiciário sempre foi visto como um espaço político da elite.
O temor de Gilmar Mendes, e da mídia, não é que o STF se torne uma corte “bolivariana”.
Seu temor é que se torne uma corte democrática.
A prerrogativa das forças políticas, eleitas pelo povo, de nomear integrantes do STF, nasce do entendimento de que deve ou mesmo precisa haver harmonia entre os poderes.
A concepção de Gilmar de que o STF deve ter função “contramajoritária”, entendendo-se isso como um órgão quase de oposição ao Executivo, é um insulto a doutrina democrática.
O STF deve ter função contramajoritária em se tratando de processos penais, quando há sentimento pró-linchamento, e a corte deve se apegar estritamente aos autos e aos direitos humanos.
Exatamente o que não fez na Ação Penal 470, quando a gente mencionava, inclusive, esse papel contra-majoritário do STF, e figuras como Gilmar Mendes, com apoio da mídia, alardeavam que a corte não podia “decepcionar” a opinião pública.
De resto, o STF deve sim ser aliado do Executivo e do Legislativo. Ele está ali para ajudar, para evitar erros, para orientar. Jamais para fazer oposição, pois sua corte não foi eleita, e ao juiz é proibido, terminantemente, entrar no jogo político-partidário.
Vamos repetir: o Código de Ética da Magistratura, a Constituição Federal, e o código do STF, deixam bem claro que juízes não podem exercer atividade político-partidária, ou seja, não podem se arvorar como agentes “contramajoritários” de um governo eleito, beneficiando a oposição.
A posição de Gilmar é minoritária no STF.
No entanto, o apoio que tem na mídia a faz parecer dominante.
Sempre achei incrível a desenvoltura com que os juízes aliados da mídia assumem posições ideológicas. Mesmo sendo minoria, mesmo estando isolados, aparecem como campeões da razão, como vencedores do debate. Parecem não ter dúvidas sobre nada. Fazem declarações estapafúrdias sem que haja nenhum contraponto.
Enquanto isso, os ministros que, estes sim, exercem o papel contramajoritário em relação à mídia, e que procuram se portar de maneira republicana e reservada, como cabe a juízes, são vistos como tristes derrotados ideológicos, quando não criminalizados pelo clima de polarização política que se forma no país.
Prezados ministros, não caiam nessa!
A mídia brasileira quer transformar os derrotados em vencedores e os vencedores em derrotados.
Gilmar Mendes representa os derrotados. Ele é símbolo de um STF emasculado, a serviço das classes dominantes, da mídia e de um governo oligárquico e corrupto.
Quem foi o governo que aprovou a reeleição para si mesmo, sem a delicadeza de fazer uma consulta popular, como fizeram os “bolivarianos” da América Latina?
Quem foi o STF que aprovou esse absurdo, obviamente inconstitucional, de mudar regras eleitorais para si mesmo, e com o jogo em andamento?
Quem foi “bolivariano”?
Quanto a Pizzolato, Gilmar Mendes sabe muito bem o que aconteceu. Foi mais um condenado sem provas, exatamente porque o STF não soube se portar de maneira “contramajoritária” em relação à atmosfera de linchamento político produzida pela mídia.
Pior, foi condenado contra as provas de sua inocência. Cúmulo dos cúmulos, a ele foi negado o acesso a documentos que poderiam inocentá-lo.
A posição de Gilmar Mendes, ao tentar desqualificar seus próprios colegas, chamando-o de “bolivarianos”, apenas mostra a sua desonestidade intelectual.
Mendes é o mais autoritário dos ministros do STF. Não aceita críticas nas redes sociais. Faz o papel de ministro tagarela e midiático, tornando-se uma figura ultra pública, e ao mesmo tempo não tolera o contraponto, intimidando seus críticos com processos, o que revela uma personalidade profundamente antidemocrática.
Quem define como a corte deve ser? A mídia? Gilmar? Quem define o que é bolivariano?
Nos EUA, os presidentes também indicam os ministros da corte suprema, e os ideólogos da democracia, como Robert Dahl, explicam que a tendência a harmonizar a corte à vontade da maioria (representada pelo Executivo, que é eleito), é uma necessidade vital.
Franklin Roosevelt, por exemplo, não conseguiu fazer nada nos primeiros anos de seu governo, porque todas as suas iniciativas eram derrubadas na corte suprema. Com o passar dos anos (ele foi eleito quatro vezes, antes de instituírem o limite de apenas uma reeleição), ele foi indicando os ministros do tribunal e conseguindo, com isso, fazer passar leis importantes para a manutenção do nível de emprego e da atividade econômica dos EUA.
A maior crítica de Dahl a corte suprema americana é o fato dela representar, às vezes, um obstáculo à implementação de iniciativas do governo eleito, tornando-se, com isso, um elemento não-democrático.
No caso do Brasil, o problema maior é que, além de representar, frequentemente, um elemento antidemocrático, o STF é vulnerável às pressões da mídia e das classes que dominam essa mídia, porque os ministros são oriundos dessas mesmas classes e estão cercados (e ameaçados), portanto, por sua mídia.
Problemas de um país ainda profundamente desigual.
O STF deve ser independente da mídia brasileira, cujo poder nasceu da ditadura, e respeitar profundamente o Executivo, cujo poder emana do povo, via sufrágio universal.
Só quando der uma banana para nossa mídia golpista (e a chamo golpista porque apoiou o golpe de 64, e até hoje apoia tudo que é golpe de Estado em nossa vizinhança), e entender que esta representa tudo que existe de autoritário, injusto e truculento em nossa cultura, a nossa corte máxima será genuinamente democrática.

A fala, o ethos e o papel constitucional do juiz

Andrei Koerner, no sítio Carta Maior, 03/11/2014

Em sua entrevista à Folha de São Paulo, o ministro Gilmar Mendes reitera a prática de se posicionar sobre os assuntos correntes da política e procurar pautar o debate sobre o Judiciário. A intervenção dos ministros do STF no debate político tornou-se comum em nosso país desde a transição democrática, mas esse comportamento representa um desvio em relação ao deve espelhar as funções constitucionais de que estão investidos os juízes.

A imparcialidade e a objetividade do julgamento são inseparáveis da reserva e cautela de juízes em relação às narrativas que os agentes adotam ao tomarem posições em seus embates políticos. Esse distanciamento permite que seu juízo sobre os casos venha a ser formulado com base na norma e no direito, preservando sua autonomia possível em relação as suas preferências, inclinações e alianças. Não se trata de restaurar o mito da neutralidade e passividade do Judiciário, mas de lembrar, para além das regras jurídicas e protocolos relativos ao cargo, o ethos que decorre de sua própria instituição como juiz, em que é partícipe autônomo e não legitimado eleitoralmente da produção da norma constitucional nas questões sobre as quais a sociedade se encontra fundamentalmente dividida.

Mas o ministro Mendes – e nesse ponto ele é acompanhado por vários de seus colegas – adota perspectiva distinta. Em nome da preservação de um debate eleitoral centrado em temas construtivos, interfere substantivamente na fala e desequilibra as oportunidades dos protagonistas. Coloca-se como avaliador das mensagens institucionais do governo, equiparando-as à prática de crimes. Sugere insidiosamente a parcialidade de seus colegas de TSE e do STF (no caso do julgamento de embargos na AP n° 470), atribuindo-lhes conluio com o governo. 
 
Responde a discurso do ex-presidente Lula, realizado em plena campanha presidencial, e procura desqualificar seu interlocutor com o uso de termos apropriados à política da República Velha. Justifica suas frases de efeito colocando-as como recurso para entreter a plateia das sessões do TSE, e não como manifestações de suas preferências políticas. Uma coisa é certa: seu engajamento tende a aprofundar a perda da aura respeitabilidade inerente a seu cargo, afetando inevitavelmente a Corte em que atua.

O ministro nos brinda com nova blague ao sugerir o risco de que o STF se torne uma corte bolivariana, uma espécie de tribunal de mero apoio à política governamental. Decerto o caráter contramajoritário atribuído ao STF por analogia à Corte Suprema não se equipara ao de uma câmara de oposição às políticas governamentais, e menos ainda o de que seus integrantes exerçam pinga-fogo nas polêmicas do dia. Pelo contrário, as cortes constitucionais podem ser melhor caracterizadas como coprodutoras da norma constitucional, como uma das instâncias nas quais se dá o equilíbrio dos entes constitucionais, a produção das políticas, a proteção dos direitos individuais e coletivos, a programação e reflexão sobre os objetivos compartilhados da nossa polity.

O risco de o STF tornar-se uma corte domesticada ao governo é mínimo, pelo fato de que sua atuação e composição refletem as forças de nosso sistema político, que as nomeações futuras tenderão a preservar. Primeiro, a fragmentação do sistema partidário e das forças políticas, nos planos federal e estadual. A mídia exerce um áspero controle das ações governamentais, com pauta convergente em grande parte com a da oposição. O STF é a cúpula de um poder institucionalmente insulado e dividido em várias parcelas, que detêm salvaguardas e recursos para a tomada de decisão independente, e contrária ao seu órgão de cúpula. Os profissionais do direito estão organizados em fortes movimentos corporativos com vínculos orgânicos com partidos e lideranças políticas de todas as correntes. Eles compartilham princípios e valores liberais, expressos nas formas constitucionais da República, e que tomam como naturais e necessários, mas adotam orientações distintas em temas sensíveis, do ponto de vista político, social ou moral.

Enfim, ao contrário do que aponta o ministro, o risco não é o de domesticação dos tribunais pelo governo. O problema que se coloca é o uso faccioso das oportunidades de ação proporcionadas pelos instrumentos judiciais para desestabilizar e paralisar o governo. Na falta de partidos ou movimentos unificados que conduzissem historicamente as transformações políticas, a nossa República foi construída sobre múltiplos espaços e mecanismos de caráter consensual, cujo funcionamento depende da construção de convergências políticas. As atribuições ampliadas das instituições judiciais fazem parte desses mecanismos de ajuste, para evitar bloqueios, desvios e paralisia nos processos decisórios. Resta evitar que seus agentes tornem-se produtores de impasses para cuja solução eles foram instituídos.

Gilmar Mendes, o Lobão do STF

Laura Capriglione, 03/11/2014, no seu blog 

Por mais uma dessas descomposturas a que o país parece estar se acostumando, agora é o ministro Gilmar Mendes quem vem apresentar seu soco inglês no corredor polonês pós-eleitoral. Em vez da contenção e do aprumo que esperaria quem não o conhecesse, “avisou e denunciou” que o STF(Supremo Tribunal Federal) corre o risco de se tornar uma “corte bolivariana" com a possibilidade de governos do PT nomearem 10 de seus 11 membros a partir de 2016.
Trata-se de uma aleivosia. Irresponsabilidade sem fim.
Quando os 2.500 nostálgicos da Ditadura saíram em passeata por São Paulo, clamando peloimpeachment da presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita pela maioria dos brasileiros, de Gilmar Mendes não saiu um só arrufo em defesa da democracia. Em vez disso, ele agora surge para ajudar a agitar o espantalho de um tal “bolivarianismo”, como se o Brasil estivesse prestes a se converter em uma ditadura de esquerda.
Está em companhia de gente como Lobão e Eduardo Bolsonaro, deputado federal eleito por São Paulo (PSC), que em discurso disse que se seu pai, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), fosse candidato a presidente, ele teria “fuzilado” a presidente. Preparado para isso o filho já mostrou que está: compareceu ao ato com uma pistola enfiada no cinto, como se no faroeste vivesse.
Isso pode?
Entre outras delicadezas, a turma implorou pela “intervenção militar”, mandou “Dilma para a Cuba que a pariu”, ameaçou petistas que encontrou pelo caminho. Nem o CQC, a Rede Globo, a “Folha de S.Paulo” ou “Estadão” escaparam. E, sempre muito bem educadinha, a malta carregou faixa com os dizeres: “Pé na bunda dela. O Brasil não é a Venezuela.” Ela, no caso, é a presidente, uma senhora de 66 anos, diga-se.
Maus perdedores existem no gamão, no futebol, no bingo. E nas eleições.
Contê-los é tarefa de quem tem interesse em ver o jogo –no caso, o democrático—prosseguir.
Eis por que é simplesmente repugnante ver um ministro da mais alta corte do Brasil repetir palavras-de-ordem que são um chamamento à ruptura do Estado Democrático e de Direito.
Como o ministro Gilmar Mendes sugere que se evite “a possibilidade de governos do PT nomearem 10 dos 11 membros” do STF? Cassando o direito de a presidente fazê-lo é uma das respostas. Cassando a própria presidente é outra. Estendendo a idade-limite para a aposentadoria dos ministros, dos atuais 70 anos para 75 anos, é outra.
Em todos os casos, o que se pretende é ganhar no tapetão a eleição que se perdeu nas urnas.
O descalabro da entrevista que o ministro Gilmar Mendes deu à “Folha de S.Paulo” e publicada na segunda-feira (03/11) não fica nisso. Ofendeu os demais membros do STF ao falar sobre os riscos de a mais alta instância do Judiciário se transformar em uma “corte bolivariana”, sugerindo que todos se curvariam mansamente aos ditames do Executivo.
Convenientemente, ele esqueceu-se de que no julgamento do mensalão foi um tribunal formado em sua maioria por ministros indicados por petistas o que condenou a antiga cúpula do PT…
Não há nada, contudo, que demova o agitador. Para demonstrar sua tese, Gilmar Mendes sacou a história do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no Brasil a 12 anos e 7 meses de prisão por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro no processo do mensalão. Pizzolato, como se sabe, ante a condenação, simplesmente fugiu para a Itália, onde por fim foi capturado.
Segundo Gilmar Mendes, exemplificando o risco do tal “bolivarianismo”, “já tivemos situações constrangedoras. Acabamos de vivenciar esta realidade triste deste caso do Pizzolato” [refere-se ao fato de a Justiça italiana ter negado a extradição dele para cumprir pena no Brasil pela condenação no mensalão].
Em seu afã de defender o indefensável, o ministro também atacou a Justiça italiana, ao acusá-la de tomar suas decisões movida por interesses alheios ao estrito cumprimento da lei. Seria “bolivariana” também a Justiça de lá? Nem Bolsonaro ousou tanto.
Se fosse pouco, Gilmar Mendes ainda se deu ao desfrute de comentar um caso que se encontra em fase de investigação, atropelando todos os ritos processuais. “Enquanto estávamos julgando o mensalão já estava em pleno desenvolvimento algo semelhante, talvez até mais intenso e denso, isso que vocês estão chamando de Petrolão. É interessante, se de fato isso ocorreu, o tamanho da coragem, da ousadia.”
Um apresentador de programa sensacionalista não faria diferente.
Por fim, como nunca poderia se tivesse o mínimo de apreço pela liturgia do cargo que ocupa, Mendes partiu para o bate-boca mais baixo, acusando o ex-presidente Lula de não ser um abstêmio: Será que ele “passaria no teste do bafômetro?”, indagou. Lula, para quem não sabe, não concorreu a nenhum cargo eletivo, não atropelou ninguém e nem sequer dirige automóveis.
Convenhamos, o Brasil merecia bem mais do que um ministro Lobão no STF.

Lobão e o Banana's Party

Renato Rovai, 03/11/2014

Costuma-se dizer que o Brasil não é um país para amadores. Mas o fato é que eles abundam em terras tupiniquins. E mesmo no universo da política, onde o mais bobo consegue consertar relógio suíço num quarto escuro e com luva de box, cada dia surgem novos nomes invocando-se líderes de um pedaço da população e falando em nome dela. Os recrutas de turno atendem pelas alcunhas Lobão, Roger, Danilo Gentile, Reinaldo Azevedo, Luciano Hulck, Ronaldo Fenômeno e figuras que conseguem ser ainda mais caricatas como um tal de Olavo de Carvalho, que se apresenta como filósofo, e Rodrigo Constatino, que nem se apresenta porque não sabe terminar uma frase.
Eles se tornaram os ídolos dos verdadeiramente desinformados. Aqueles que leem Veja, gostam de piadas racistas e fascistas e que reproduzem chorume pelas plataformas de rede sociais.
Os novos heróis do Brasil que clama por intervenção militar nada mais são do que a tentativa de reproduzir um movimento que levou (pasmem!) o Partido Republicano a perder não só eleições, mas o eixo. Nos EUA, esse movimento ultra-direitista conhecido como Tea Party tem como centro de seu discurso a redução dos impostos, mas para dar molho à sua tese também defende o criacionismo, porque Deus é o pai de todos, e a guerra, porque ela geraria empregos. Para a turba que de vez em quando sai às ruas americanas para protestar, Obama é o principal alvo por ser um comunista radical. Isso mesmo, você não leu errado. Não é a toa que eles acham o PT um partido de extrema esquerda.
Como nos EUA o nome do movimento é denominado de Tea Party e nossa terra não é exatamente caracterizada pela ingestão de chá, vou batizar o movimento liderado de Lobão de Banana’s Party (pode usar a vontade Lobão, não vou cobrar direitos autorais pela ideia). Banana’s Party tem muito mais a ver com o estilo dos manifestantes daqui. São uns covardes que não aceitam o resultado das urnas e querem uma intervenção militar.
Nos EUA esse movimento de direita emburrecida é centrado na luta contra os impostos. Mas aqui no Brasil como provavelmente boa parte da tropa é sonegadora, o que os une é o grito contra a corrupção e o PT. Para eles, o PT e sua estrela vermelha criaram a luta de classes. Sem o PT, garantem, os pobres não iriam querer deixar de ser pobres e os negros iriam continuar no seu cantinho.
Não há nada que incomode mais essa gente do que as palavras cotas e Bolsa Família. Se quiser fazê-los cair no chão e estribuchar use-as como se fosse alho contra vampiros. Elas são infalíveis.
O valor do Bolsa Família eles gastam numa taça de champanhe, mas consideram que ao garantir essa renda mínima para os mais pobres o governo petista transformou o Brasil num país de vagabundos.
É o Bolsa Família que os impede de continuar pagando os 200 reais de salário mínimo da época do FHC para suas empregadas domésticas e por isso eles não perdoam nem o Lula e nem a Dilma.
Quanto as cotas, aí o buraco é ainda mais embaixo. Elas são até mais assustadoras para a turma do Banana’s Party porque estão misturando seus filhos com os filhos dos pedreiros. Onde já se viu um garoto negro estudar na mesma faculdade da minha filha que foi criada como uma Barbie? E pior ainda, imagina minha filhinha que estudou em escola americana não entrar numa faculdade na qual o filho do pedreiro que estudou num colégio público entrou. Aí já é vandalismo. E por isso eles vão para a rua gritar contra o PT. E por isso eles apoiram fervorosamente a candidatura de Aécio Neves.
Mas como Aécio Neves perdeu, eles decidiram que cansaram de brincar com esse negócio chamado democracia. E que eleição é coisa de pobre e não tem a menor graça. A turma do Banana’s Party quer intervenção militar. Querem um governo que prenda e arrebente quem defender direitos humanos, direitos sociais, direitos de gênero etc. O pessoal do Banana’s quer no mínimo Lula e Dilma na cadeia. Mas preferem vê-los sendo eliminados por um batalhão de fuzileiros em praça pública.
O Tea Party americano quando sai às ruas é um pouco mais engraçado do que o Banana’s Party. A galera sai fantasiada. No Brasil, os Bananas apenas carregam cartazes com suas palavras de ordem facistas.
Mas você pode estar se perguntando. Você está assustado com o Banana´s Party, Rovai? Você acha que eles podem conseguir o impeachment de Dilma? Você acha que eles podem fazer os milicos de pijama (ou bananas?) saírem dos seus clubes militares e marcharem em direção ao Congresso?
Claro que não. Até porque o nome do movimento que alcunhei para que eles não fiquem por aí perambulando sem nome já denuncia o que essa turma é. E mais do que isso, qualquer coisa que for liderada por pessoas do nível do Lobão tende a ser no máximo uma piada.
A questão é outra. Creiam, estou preocupado com o PSDB. O partido fundado por pessoas como Mário Covas está se deixando sequestrar pelo mais tacanho conservadorismo e parece não se incomodar mais em ser associado a movimentos que clamam por intervenção militar. Isso é o mais assustador dessa história. Com todas as suas idiossincracias, sempre considerei os tucanos como um partido de liberais democratas. Agora, até isso já é algo a se duvidar.
Ou o partido reage e isola o Banana´s Party, deixando que as ovelhas do Lobão se organizem em torno de um Feliciano ou Bolsonaro ou o PSDB vai ser sequestrado por recrutas que juntam 500 pessoas na frente do Masp, mas que vão levá-lo a um fim desastroso.
O povo, amigos, é muito mais inteligente do que parece. E, entre outras coisas, o que ele rejeitou nas urnas em 26 de outubro foi o ódio. O ódio que escapa por todos os poros da turma do Banana´s Party. O ódio que move Bolsonaros e Felicianos. O ódio que pode fazer bem a extrema direita como projeto político, mas que não era a pedra de toque do PSDB.
Só há uma forma de o PSDB continuar a existir. É dizer claramente à sociedade que rejeita o Banana´s Party. E que condena veementemente suas posições. Ou é isso ou não há mais como não entender o partido como o centro das articulações de um movimento golpista.

sábado, 1 de novembro de 2014

Racionamento, já!

Luis Nassif, 31/10/2014
Há duas alternativas para a falta de água em  São Paulo: racionamento controlado ou racionamento selvagem.
São Paulo está caminhando para a segunda opção - o racionamento selvagem - com consequências imprevisíveis. Corre-se o risco, inimaginável em outros tempos, de uma das maiores metrópoles do mundo exposta a surtos de epidemia, a transtornos sociais, à violência generalizada provocada pelo desespero da falta dágua.
Tem-se no governo do estado um governador irresponsável paralisado pela própria mediocridade, que chegou ao cúmulo de comemorar o uso do volume morto de uma represa, como se fosse um feito técnico. 
Alckmin só se guia pelas manchetes. Sua única preocupação é encontrar a desculpa adequada, dividir responsabilidades, terceirizar a culpa. Depois de dois anos dormindo para o tema, os jornais limitam-se a narrar os problemas de abastecimento sem ousar chegar ao ponto central: a necessidade urgente de implantar o racionamento.
Inibido pela falta de repercussão do tema, o Ministério Público Estadual demorou a agir. Quando agiu, alguns procuradores tentando segurar o aumento de captação do Sistema Alto Tietê, para impedir o futuro racionamento selvagem, foram impedidos por um juiz desinformado, que alegou que "não vê como os atos impugnados (a autorização do DAEE para aumentar a vazão) que têm em mira a garantia de fornecimento de água à população, possam ser classificados como inadequados ao interesse público".
Cáspite! Esse nível de ignorância - em um magistrado  - foi plantado pela insuficiência de informações fornecidas pela mídia, sonegadas à população em nome de um projeto político que cegou a todos. Só irá entender quando houver só lama para ser retirada.
A ANA (Agência Nacional de Águas) condenou a estratégia paulista. Bastou acusá-la de aparelhamento para que os alertas fossem ignorados. Em plena CPI da Câmara, a presidente da Sabesp informou que a empresa foi proibida, por ordem superior, de ampliar a campanha de esclarecimentos da população. A reação do Palácio Bandeirantes - aceita acriticamente pelos jornais - foi de que ela seria afastada no final do mundo por ter perdido a liderança dos seus. Vaza para as redes sociais uma gravação de conversa da Sabesp apontando os riscos enormes da estratégia de Alckmin. Basta dizer que a fala foi montada para varrer o alerta para baixo do tapete.
Nesse momento, os procuradores que ousaram interferir na marcha da insensatez devem estar sendo pressionados pelos seus colegas, tratados como impetuosos querendo aparecer.
E não há uma liderança de peso no Estado capaz de fazer o contraponto e interromper essa loucura.
Nessas horas, não existe Procurador Geral do Estado, presidente do Tribunal de Justiça, Ordem dos Advogados. E não existe por receio de serem atacados pela imprensa, se ousarem apontar o desastre que vêm pela frente.
O governador Geraldo Alckmin está incorrendo em um crime de responsabilidade. E age sem medo por ter a certeza de que todos os poderes do Estado o acobertarão.
São Paulo chegou ao nível mais baixo de enfraquecimento das instituições públicas e das vozes da sociedade civil em toda sua história.
O sertão é aqui.