sábado, 3 de maio de 2014

E se um juiz da Suprema Corte...

Tarso Freire, 02/05/14

Imaginemos uma Suprema Corte que possuísse a nobre missão de interpretar a Constituição Federal que fora escrita por membros de um Congresso especialmente eleito. Haveria maneira de uma tão importante instituição para o país ser de alguma forma desmoralizada?

Se um juiz da Suprema Corte estivesse em licença do trabalho devido a problemas de saúde e fosse visto sistematicamente em barzinhos da cidade, não estaria ele tentando desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz, para ser escolhido à Suprema Corte, afirmasse categoricamente que ‘mataria um processo no peito’ e depois publicasse o seu modus operandi no jornal, se vangloriando de sua esperteza, ele não estaria querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E se uma juíza da Suprema Corte dissesse que não tinha provas contra um réu, mas que iria condená-lo assim mesmo porque a literatura jurídica lhe permitia? Claro, ela estaria equivocada porque, na dúvida, a liberdade de uma pessoa é mais importante do que a literatura jurídica. Entretanto, se ela condenasse sem provas, a Sra. Ministra não estaria desmoralizando a Suprema Corte?

Se um juiz da Suprema Corte, após se aposentar, virasse advogado de um banqueiro cujo nome misteriosamente desaparecera de um processo cujo julgamento fora divulgado ad nauseum e que condenou pessoas com a esdrúxula teoria do domínio do fato, não estaria ele contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?

E se um Advogado Geral da União fizesse contratos entre o seu instituto de ensino e a AGU para ministrar cursos aos seus funcionários, ganhando como sócio e como professor, e se esse advogado fosse alçado ao cargo de juiz da Suprema Corte, esta não seria uma atitude que desmoralizaria de morte a Suprema Corte?

E se o mesmo juiz da Suprema Corte após alguns anos fizesse um contrato de milhões de reais, sem licitação, para a sua instituição de ensino ministrar cursos para um tribunal estadual, não poderíamos imaginar que ele estaria querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte exagerasse deliberadamente as penas dos réus para evitar a prescrição e colocá-los em regime fechado (suponhamos que ele dissesse algo como “foi feito para isso sim, oras!”) não estaria ele contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte, revoltado com a derrota numa votação, acusasse seus pares de ser maioria de circunstância formada sob medida, não seria uma forma de tentar desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte abrisse uma empresa pessoa jurídica na Flórida e a colocasse sediada num apartamento funcional do judiciário – e se isso fosse expressamente proibido por lei – não estaria ele ajudando a desmoralizar a Suprema Corte?

Se um juiz da Suprema Corte comprasse um apartamento em Miami por U$ 1 milhão alegando pagar apenas dez ou vinte dólares, sabe-se lá Deus o porquê, isso não poderia desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte participasse de jantares especialmente oferecidos por advogados famosos que possuem processos tramitando no tribunal, não estaria contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte fizesse uma reforma no banheiro do seu apartamento, com dinheiro público, no valor de 90 mil reais? Além de ser um acinte e um deboche, tal atitude não contribuiria com a desmoralização da Suprema Corte?

E se o mesmo juiz do banheiro precioso mandasse o jornalista que descobriu e noticiou a rica reforma chafurdar no lixo... ele não estaria desmoralizando a Suprema Corte?

Imaginemos ainda que um juiz da Suprema Corte fizesse uma viagem ao exterior e pagasse com recursos públicos a passagem para uma jornalista de uma empresa privada (na qual o filho trabalhasse) para fazer a cobertura das suas peripécias além fronteiras. Não seria essa a atitude de quem estivesse querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte solicitasse e recebesse diárias estando de férias na Europa, e após ser denunciado, inventasse uma agenda humorística? Este juiz não estaria querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E não há forma mais contundente de se desmoralizar um tribunal do que se cometer uma injustiça. Se um juiz da Suprema Corte escondesse sorrateiramente um laudo que ajudaria provar a inocência de um réu ele não estaria desmoralizando irremediavelmente a Suprema Corte?

Se existissem tais juízes – que no futuro não passariam de nota de rodapé borrada da história – certamente eles poderiam contribuir com suas palavras, atitudes e omissões para a desmoralização definitiva da Suprema Corte do seu país.

E uma questão final: Será que a verdade é mesmo uma quimera?


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